Entrevista com Allan de Aveiro dos Santos
O setor de seguros está passando por uma transformação digital acelerada, redefinindo a forma como as seguradoras interagem com seus clientes e gerenciam riscos. Allan de Aveiro dos Santos, Portfolio Director na Keyrus, compartilha sua visão sobre as tendências mais impactantes, o papel das Insurtechs, os desafios da personalização e o futuro do setor.
Allan aponta a aplicação prática da inteligência artificial generativa, especialmente por meio de assistentes inteligentes e agentes autônomos, como a tendência digital mais disruptiva que o setor de seguros experimentou nos últimos 12 a 18 meses.
Essa tecnologia tem gerado impactos tangíveis, sendo adotada em processos centrais como subscrição, atendimento ao cliente, regulação de sinistros e suporte a equipes de vendas. A IA generativa se destaca pela sua capacidade de automatizar tarefas complexas com alto nível de contexto e linguagem natural. Isso permite acelerar a análise de sinistros, avaliar apólices de forma mais eficiente e gerar comunicações personalizadas.
Corretores e equipes comerciais também se beneficiam de assistentes baseados em LLMs, que fornecem respostas rápidas e auxiliam na contratação de seguros. Além disso, a IA tem aumentado a produtividade nas áreas jurídicas e operacionais, auxiliando na geração e revisão de textos complexos, como contratos e pareceres.
Chatbots inteligentes e interfaces conversacionais baseadas em IA estão democratizando o acesso ao seguro, facilitando a entrada de novos públicos. Os impactos são claros: operadoras que implementaram essas soluções registraram reduções no tempo de resposta a sinistros, aumento na satisfação dos clientes e ganhos operacionais. Surgem até novos modelos de negócio, como seguros sob demanda e coberturas personalizadas em tempo real, indicando uma transformação profunda e acelerada.
Para Allan, as Insurtechs estão "virando o jogo" para as seguradoras tradicionais ao introduzir agilidade, personalização e eficiência impulsionadas pela tecnologia. Elas desafiam o modelo tradicional, oferecendo soluções mais ágeis, personalizadas e acessíveis, com plataformas digitais, contratação 100% online, planos sob demanda e uso de IA para precificação e análise de risco.
Embora inicialmente pudessem ser vistas como concorrentes, a tendência predominante é de colaboração e parceria. As seguradoras tradicionais reconhecem que as Insurtechs trazem inovações e exploram processos ineficientes para grandes empresas.
Relatórios como o “2025 Global Insurance Outlook” da Deloitte destacam parcerias estratégicas como cruciais para o crescimento futuro do setor. A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) também aponta que o setor busca diversificar produtos e aprimorar a experiência do cliente através da tecnologia.
As Insurtechs se beneficiam da escala e base de clientes das seguradoras tradicionais, enquanto estas ganham acesso a tecnologias avançadas e agilidade. Um exemplo prático de colaboração é o conceito de Open Insurance, que impulsiona a inovação e a criação de novos produtos personalizados.
O Open Insurance representa um ecossistema colaborativo onde Insurtechs e seguradoras podem atuar juntas, compartilhando dados (com consentimento do cliente) para criar ofertas mais integradas e eficientes. Esse modelo é o motor da próxima fase de inovação e competição no setor.
A personalização é um pilar fundamental da transformação digital no setor de seguros, permitindo que as seguradoras ofereçam produtos alinhados às necessidades individuais dos clientes. A tecnologia possibilita isso através de:
Coleta e Análise de Dados: A digitalização permite a coleta massiva de dados sobre o comportamento, perfil e estilo de vida dos segurados. Ferramentas como IA e machine learning analisam esses dados para identificar tendências e oferecer soluções sob medida.
Plataformas Digitais e Automação: Plataformas online e aplicativos móveis simplificam a interação do cliente, permitindo contratação 100% online e gestão ágil de apólices e sinistros.
Produtos Sob Demanda e Microseguros: A tecnologia permite o desenvolvimento de produtos mais modulares e sob demanda, como seguros por uso (pay-as-you-go) ou microseguros.
Comunicação Multicanal e Proativa: A transformação digital facilita a comunicação proativa e personalizada com os clientes através de diversos canais, melhorando a satisfação e o engajamento.
Apesar dos benefícios, a personalização e a transformação digital enfrentam desafios significativos:
Cultura Organizacional e Resistência à Mudança: A cultura arraigada das seguradoras tradicionais, com processos legados e resistência à adoção de novas tecnologias, é um grande obstáculo.
Segurança e Privacidade de Dados (LGPD): A coleta intensiva de dados exige rigorosos padrões de segurança e conformidade com regulamentações como a LGPD, sendo crucial para construir confiança e evitar sanções.
Integração de Sistemas Legados: Sistemas de TI antigos e fragmentados dificultam a integração de novas tecnologias e a criação de uma visão unificada do cliente.
Escassez de Talentos Digitais: Há uma demanda crescente por profissionais com habilidades em análise de dados, IA, cibersegurança e desenvolvimento de software.
Gestão da Experiência do Cliente: O desafio é garantir que a personalização se traduza em uma experiência do cliente satisfatória e sem atritos.
O uso de dados em tempo real, impulsionado por tecnologias como a Internet das Coisas (IoT) e a telemática, é crucial para a agilidade e otimização dos processos no setor de seguros. Essas tecnologias permitem uma abordagem proativa de prevenção de riscos, impactando a precificação e a gestão de sinistros. Tipos de dados e tecnologias eficazes incluem:
Telemática (Seguro Automotivo): Dispositivos monitoram padrões de direção, permitindo seguros baseados no uso (UBI) com prêmios personalizados que refletem o comportamento real do motorista.
Sensores Domésticos Inteligentes (Seguro Residencial): Sensores detectam riscos como incêndios e vazamentos, permitindo alertar segurados sobre perigos iminentes e auxiliando na prevenção de perdas.
Dispositivos Vestíveis (Wearables) e Monitores de Saúde (Seguro de Vida e Saúde): Fornecem dados contínuos sobre sinais vitais, permitindo programas de bem-estar e ajustes dinâmicos de apólices.
Sensores em Propriedades e Equipamentos Comerciais (Seguro Empresarial): Monitoram a integridade estrutural e o desempenho de máquinas, permitindo detecção proativa de falhas.
Sensores de Carga (Seguro de Carga): Monitoram contêineres e mercadorias, rastreando condições ambientais e verificando a integridade da carga.
Sensores Agrícolas (Seguro Agrícola): Monitoram umidade do solo, padrões climáticos e saúde das culturas, permitindo políticas dinâmicas que refletem riscos agrícolas atuais.
Essas tecnologias otimizam a precificação (tornando-a mais precisa e dinâmica, baseada no risco individual), a gestão de sinistros (acelerando a resolução e detectando fraudes), e a prevenção de perdas (prevendo e prevenindo incidentes antes que ocorram).
As seguradoras equilibram a inovação digital com a segurança cibernética e a conformidade com regulamentações como a LGPD, adotando uma abordagem multifacetada:
Investimento em Cibersegurança e Infraestrutura: Investem em soluções de cibersegurança de ponta e infraestrutura robusta para proteger sistemas e dados contra ataques e garantir continuidade dos negócios.
Conformidade com a LGPD e Outras Regulamentações: Implementam políticas rigorosas para coleta, armazenamento e processamento de dados pessoais, realizando avaliações de risco e nomeando um DPO (Data Protection Officer).
Seguros Cibernéticos como Estratégia de Mitigação: Contratam seguros cibernéticos para transferir parte do risco financeiro e obter suporte especializado em caso de incidentes.
Cultura de Segurança e Treinamento: Promovem uma cultura de segurança da informação com treinamentos regulares para colaboradores e integram práticas de segurança no desenvolvimento de software.
Parcerias Estratégicas: Buscam parcerias com especialistas em cibersegurança e consultorias de privacidade para fortalecer suas capacidades.
Essa abordagem integrada permite que as seguradoras inovem e ofereçam serviços digitais avançados, protegendo dados e mantendo a conformidade legal.
O maior desafio cultural e operacional para as grandes seguradoras tradicionais na digitalização é a resistência à mudança e a cultura organizacional arraigada. O setor, historicamente burocrático e avesso ao risco, dificulta a adoção de novas tecnologias e a experimentação de modelos inovadores. Desafios detalhados incluem:
Mentalidade de Aversão ao Risco: A natureza do negócio pode gerar uma aversão interna a riscos na adoção de novas tecnologias, atrasando a inovação.
Silos Organizacionais: Departamentos isolados dificultam a colaboração e o fluxo de informações, necessários para a digitalização.
Falta de Liderança Digital e Visão Estratégica: A ausência de uma liderança com visão clara sobre a transformação digital pode levar à falta de alinhamento.
Escassez de Talentos Digitais: Há uma demanda crescente por profissionais com habilidades em análise de dados, IA e cibersegurança.
Sistemas Legados e Infraestrutura Antiga: A dependência de sistemas antigos dificulta a integração de novas tecnologias e a automação de processos.
Processos Burocráticos e Manuais: A automação é dificultada pela dependência de fluxos de trabalho manuais.
Para superar esses desafios, as seguradoras precisam adotar uma abordagem estratégica:
Liderança e Visão Estratégica: A alta gerência deve impulsionar a transformação digital, definindo uma visão clara e alocando recursos.
Cultura de Inovação e Experimentação: Fomentar uma cultura que valorize a experimentação, com equipes multifuncionais e metodologias ágeis.
Investimento em Pessoas e Habilidades: Capacitar colaboradores existentes e atrair talentos especializados.
Modernização da Infraestrutura Tecnológica: Realizar investimentos estratégicos na modernização dos sistemas de TI.
Foco na Experiência do Cliente: Colocar o cliente no centro das decisões, redesenhando processos e produtos com base em suas necessidades.
Parcerias Estratégicas: Colaborar com Insurtechs e consultorias especializadas para acelerar a digitalização.
Gestão da Mudança: Implementar programas robustos para garantir que os colaboradores compreendam os benefícios da digitalização e se adaptem.
Ao abordar esses desafios de forma proativa, as seguradoras tradicionais podem prosperar na era digital, tornando-se mais ágeis, eficientes e centradas no cliente.
Allan prevê que a próxima grande onda de inovação no setor de seguros será impulsionada por uma combinação de tecnologias emergentes e uma abordagem proativa e preditiva, focada na prevenção de riscos e na experiência hiperpersonalizada do cliente. As principais tendências incluem:
Inteligência Artificial (IA) e IA Generativa em Escala: A IA continuará a ser o motor central da inovação, impulsionando a produtividade, otimização de processos e oferta de soluções personalizadas. A IA preditiva preverá riscos e personalizará a precificação, enquanto a IA de automação facilitará a gestão de processos e sinistros. A IA generativa revolucionará a criação de conteúdo, desde a redação de apólices até a comunicação com o cliente.
Open Insurance e Ecossistemas Conectados: Seguindo o modelo do Open Banking, o Open Insurance permitirá o compartilhamento seguro de dados, facilitando a criação de ecossistemas de serviços integrados onde o seguro será parte de uma jornada mais ampla do cliente.
Prevenção de Riscos e Seguros Comportamentais: A transição para um modelo de "prever e prevenir" será intensificada, com tecnologias como IoT, telemática e wearables fornecendo dados em tempo real para incentivar comportamentos mais seguros e saudáveis. Isso levará a seguros mais dinâmicos e baseados no comportamento, com a agenda ESG se integrando a isso.
Experiência Hiperpersonalizada e Proativa do Cliente: A hiperpersonalização, impulsionada por IA e análise avançada de dados, ganhará ainda mais relevância, com seguradoras antecipando as necessidades dos clientes e oferecendo suporte contínuo.
Blockchain para Transparência e Eficiência: O blockchain tem o potencial de aumentar a transparência e segurança nas transações de seguros, com contratos inteligentes automatizando pagamentos de sinistros.
Cibersegurança como Diferenciador: Com o aumento da digitalização, a cibersegurança se tornará um diferencial competitivo ainda maior, com seguradoras robustas em suas defesas cibernéticas ganhando a confiança dos clientes.
A próxima onda de inovação no setor de seguros será caracterizada por um ecossistema altamente conectado, impulsionado por IA e dados em tempo real, focado na prevenção de riscos, personalização extrema e uma experiência do cliente sem atritos. As seguradoras que abraçarem essas tendências e investirem em tecnologia e cultura de inovação estarão na vanguarda do mercado.